mesmo que o curso mude... - e vai mudar

Uma frase, em especial, tá na minha cabeça hoje: mesmo que o curso mude, o rio sempre atinge o mar. O que seriam o curso e o mar? Será que existe um mar onde todos desembocamos ao final? Hoje me perguntaram - se não temos escolha, de que adianta se debater? A resposta é simples: não adianta se debater. Obscuro?

Algumas correntes de pensamento chinesas, como a dos pensadores 老子 e 庄子, dizem que a pior coisa que podemos fazer em situações de dificuldade é lutar contra a corrente. O rio sempre tem seu fluxo, e não adianta querer nadar contra ele. O mais sábio dos animais - abençoada linguagem chinesa com suas metáforas - é o gato, que passa o dia sem se esforçar pra nada, só deixando as coisas acontecerem.

Em consonância com isso, conforme a vida passa, percebo - cada vez mais - que os ensinamentos que carrego do meu pai dizem muita verdade. De algum jeito, esse meu grande professor possui um "botãozinho" de liga/desliga, para ser usado em momentos em que a situação se apresenta dificultosa. "Se eu me preocupar agora, não vai adiantar de nada" - pode parecer simples, mas tem sua dificuldade. Queira Deus que eu puxe isso pela genética em algum momento da minha vida.

Acho que o melhor que a gente pode fazer é seguir o caminho que a vida nos mostra, com as cartas que ela nos dá. Não só é possível, como é certo que as coisas vão mudar, e nossos planos serão sabotados. "Faça planos, e Deus rirá deles" é uma frase bem verdadeira, mas não impede que estruturemos nossas vidas conforme o que acreditamos que possa vir a ser melhor. Não adianta se angustiar só porque é provável que o que planejamos hoje para o amanhã mude drasticamente no futuro. Fazem-se planos, porque é o que pode ser feito - assim como viver para que se tornem verdade.

Por que angustia não é um caminho psicológico aceitável diante do fato de que a vida não segue exatamente - ou de forma nenhuma - as linhas que traçamos para nós? Porque felicidade verdadeira é a que brota de dentro para fora - como li certa vez. Eu, sinceramente, sinto uma satisfação muito grande em estar vivo, e considero tanto esse estado quanto essa percepção um grande privilégio.

Já tentou parar pra sentir como é gostoso quando uma parte do seu corpo fica dormente, e, lentamente, volta a ter sangue circulando normalmente? Acho bom, porque é uma forma muito clara de sentir que estamos vivos, e que tem sangue correndo magicamente nas nossas veias. Se nunca te ocorreu isso, preste atenção da próxima vez em que acontecer. Um dia, não vai ter mais sangue correndo poderosamente dentro do seu corpo. E aí? Você aproveitou enquanto corria?

Tive a chance maravilhosa de morar perto da praia, e fazia questão de aproveitar sempre que podia, tudo o que podia. Algumas pessoas olham pr'a trás com um ar de nostalgia, pensando como queriam que o passado voltasse. Já acho que - se você aproveita bem o presente quando este te é dado - não há motivo para se sentir triste, porque você navegou no rio enquanto podia. O curso é assim - sempre vai desaguar no mar, e não tem nada que possamos fazer. O que dá pr'a fazer é aproveitar não só enquanto corre o rio da vida, mas também enquanto corre o sangue nas veias.

Comentários

Unknown disse…
Que angústia. Esse determinismo é angustiante.
Um dia eu durmi sob uma tábua de madeira que tem sob a minha cama. E devido a essa tábua ser de madeira, eu podia escutar os sons do meu coração: tum-ta, tum-ta, tum-ta. Impressonante como não para, não para, não para. Que medo eu tive. E se parasse? Meu sangue não chegaria na cabeça. Eu ia desmaiar, antes mesmo de morrer. Eu ia pensar que não morri, enquanto eu tava morrando.
Não te angustia? Li certa vez, que existem tantos empecilhos numa vida humana que o impressionante é existirem pessoas que não se angustiem, porque a vida é angustiante. Conviver com o término de tudo o que acaba de acontecer é angustiante, é nostalgico. Tenho sensações também, de momentos em que não sinto mais essa angústia. PEnso, às vezes, que elas são doentias, que são socialmente moldadas, contudo elas trazem certo alívio: é como ver tv.
Amigo, não descobri a fórmula, o sentimento para o que você me fala, esse fluxo, esse let it go, pareço, certas vezes, vê-la, vai ver não quero aceitá-la. Se estivesse tudo bem, como falo todo dia pras pessoas que não tenho intimidade, não me aguentaria. Preciso de uma dorzinha pra pensar que posso mudar o curso do rio, considerando que ele mude por si.
Um abração. Bons fluidos.
PS: Pensando em bons fluidos, me lembrei de quando eu tava na tua casa em brasília lendo o Tao Te Ching que tinha te dado de presente. Contudo o que me lembro mais são dos gritos de uma mulher fazendo sexo no apartamento do lado. TEríamos rido juntos, mas acho que ri sozinho por nós dois. :D
Roberto Mac disse…
não sei se estou certo, mas vejo que pensar sobre esse tal curso em comparação pelo o que se acha que trará sua felicidade é algo um tanto infrutífero..
Tirando o prazer de refletir sobre o que se faz ou o que se deixa de fazer, no final, é este pensamento que não fará a diferença. No caminho que vivemos, o que mais importa é se você agiu da maneira que verdadeiramente queria, pois se não o fez.. aí vai arrepender-se amargamente e nunca mais vai parar de pensar sobre o quanto foi covarde.
Enfim, só de discutir algo com você já é uma delícia
abraço!
Natasha Mendes disse…
É justamente o que tenho pensado.
Dá uma olhada nesse trecho do Livro "O TAO do Jeet Kune Do":

'Em uma alma absolutamente livre
De todos os pensamentos e emoções,
Nem mesmo o tigre encontra espaço
Para cravar suas garras afiadas.'

Será que a gente consegue?
Parabéns pelo blog!
Addison disse…
"Algumas pessoas olham pr'a trás com um ar de nostalgia, pensando como queriam que o passado voltasse. Já acho que - se você aproveita bem o presente quando este te é dado - não há motivo para se sentir triste, porque você navegou no rio enquanto podia."

Alex, meu grande amigo, lhe peço que repita isso pra mim sempre que lembrar, sim? Obrigado.

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